Meridianos & Paralelos
Um blog de notícias alinhavadas quase sempre à margem das notícias alinhadas
segunda-feira, dezembro 27, 2004
Incomunicáveis e Inutéis
Foto de Tornas.
Portugal é o país europeu com a mais antiga representação diplomática instalada na zona devastada pelo tsunami que ontem assolou a Ásia. No local, encontram-se ainda os mais de duzentos e trinta portugueses apanhados pela catástrofe. Estes cidadãos continuam a tentar buscar auxílio junto de uma embaixada que, em lugar de uma humana voz de reconforto e apoio, os "atende" com uma ininterrupta gravação de voicemail. À medida que as horas passam, a angústia aumenta, e do Governo e da embaixada portuguesa nem sinal, estas pessoas vão desabafando diante dos jornalistas a sua indignação e abandono, numa espécie de derradeiro e descrente pedido pelo socorro que tarda em chegar. Para todos nós que assistimos de longe fica um sentimento misto de impotência, vergonha e embaraço. Vale-nos a todos que os restantes países europeus com turistas no local tenham tido uma destreza bem diferente da nossa. Vale-nos a todos que Espanha e França tenham dado instruções precisas às suas tripulações para trazer de volta «os nossos amigos e vizinhos portugueses», como ontem escutamos o piloto espanhol dizer às televisões. Enquanto isso, em Portugal, o Sr. Lopes - não se percebe se como Primeiro-ministro ainda em funções, ou se como candidato às eleições do mês que vem - entretem-se com mais um capítulo póstumo da novela que o opõe ao Presidente da República, escrevendo longas cartas aos militantes do partido. Enquanto isso o Sr. Lopes, distraído das verdadeiras vítimas, ensaia mais um acto pungente de vitimização eleitoralista. E enquanto isso, também, os portugueses sobreviventes arregaçam as mangas, esquecem o trauma das últimas horas e desdobram-se sozinhos no socorro uns dos outros, entre morgues improvisadas e corredores de hospitais lotados. Vale-lhes que as agências de viagens que os transportaram não se tenham eximido de quaisquer outra responsabilidade, como fez o Estado de que são cidadãos. Vale-lhes que as delegações humanitárias, que todos os outros países se apressaram a fazer chegar ao local, os considerem suficientemente humanos para receber a assistência que Portugal continua a não considerar prioritário garantir-lhes.